
Em
português, espanhol e italiano, biblioteca. Em francês, bibliothèque. Em
alemão, bibliothek. Em inglês, bibliotec ou library. Em
toda a parte, o símbolo por excelência da história e da cultura. No começo, os
livros eram rolos ou tabuinhas, e sacerdotes os guardiães das bibliotecas.
Depois da invenção da imprensa e com a secularização da cultura, os livros se
multiplicam ao infinito e até surge uma ciência, a biblioteconomia, para
organizá-los e permitir que milhões de pessoas possam usufruir de seu conteúdo.
Fraca
é a memória dos povos. Mas os povos conhecem essa fraqueza e tratam de
remediá-la, documentando sua história, suas crenças, suas leis, suas esperanças
— tudo enfim que constitui a marca de sua existência, a cultura e a civilização
que construíram.
E
assim se deu que as primeiras sociedades letradas aprenderam a guardar os
produtos de sua vida espiritual, “para o alento das gerações vindouras”, como
dizem os historiadores mais dados à retórica. E assim nasceu o que os gregos
antigos chamavam bibliothèke.
Em
grego, biblos designa a parte da planta do papiro com que se fazia o
material escrita — livro, diríamos hoje —; thèke é tudo o que
serve para guardar — caixa, em última análise. Por extensão, bibliothèke
passou a indicar o lugar onde se guardam livros. E o nome, com pequenas
variações, vale até hoje na maior parte das línguas.
Rolos egípcios, tábuas assírias
Mas
não foram os gregos os primeiros a guardar seus livros. E as primeiras
bibliotecas não continham livros, mas tabuinhas de argila, cacos de cerâmica,
rolos de papiro ou pergaminho, conforme o povo e a época. Como hoje, a
biblioteca moderna contém, além dos livros, publicações periódicas de todo
gênero: mapas, impressos, manuscritos, fotografias, diapositivos, filmes,
microfilmes, gravações em disco e fita, etc.
Tebas,
no Egito, abrigou a primeira biblioteca de que se tem notícia. Época: 3 300
anos atrás. Construtor: o faraó Ramsés II. Pelo menos é o que informa Diodoro
da Sicília, historiador grego que viveu um século antes de Cristo. Na porta do
edifício não estava escrito, como alguém poderia supor, "Biblioteca
Pública Ramsés II", mas "Tesouro dos Remédios da Alma", o que dá
bem a medida da importância atribuída pelos egípcios a seus escritos.
Não
havendo livros, não havia estantes. Os rolos de papiro cheios de hieróglifos
alguns — medindo até 50 m de comprimento — ficavam dentro de jarras. E os
bibliotecários do faraó aí ficavam para sempre, tanto que suas sepulturas foram
encontradas pelos arqueólogos junto a urnas e papiros.
Um
desses papiros narra a história de um marinheiro náufrago, espécie de “Robinson
Crusoe” à egípcia. A maioria — os gregos chegaram a contar 35 525 papiros — era
de caráter religioso e científico e sua coleção tinha até um nome especial — “Toth”.
Os
egípcios, porém, não detinham o monopólio bibliotecário na antiguidade. Os
assírios possuíam coleções de cerca de 30 mil tabuinhas com inscrições em
letras cuneiformes. Compreendiam fórmulas mágicas, textos litúrgicos, poemas,
cartas, documentos comerciais, crônicas militares e uma autobiografia do
proprietário o rei Assurbanípal (669-625 a.C.). Algumas advertiam os eventuais
leitores menos honestos: “Que Assur e Belit (deuses assírios) castiguem com sua
ira aquele que ousar levar esta tabuinha e que seu nome e sua lembrança sejam
apagados da face da Terra.” Outras informavam solenemente: “Eu, o grande
Assurbanípal, rei poderoso, estudei essa tabuinha e guardei-a em meu palácio.”
Hoje, alguns desses “livros” estão no Museu Britânico. Assur e Belit não
puniram Austen Layard, o arqueólogo que em 1854 escavou as ruínas da biblioteca
do grande rei, levando as tabuinhas à Inglaterra.
O filósofo organizado
A
partir de Neleo, a situação piorou. Seus herdeiros armazenaram a biblioteca num
subterrâneo, depois venderam-na a um comerciante de nome Apelicon. Poeira,
umidade e falta de trato estragaram muitos volumes, que tiveram de ser
copiados. Mas o foram sem o cuidado necessário. Por fim, o que sobrou foi parar
em mãos romanas.
Nesse
meio tempo, outro discípulo de Teofrasto, chamado Demétrio, convenceu o rei
persa do Egito conquistado, Ptolomeu I Sóter, a montar uma biblioteca em Alexandria.
Ptolomeu construiu-a em 290 a.C. Seus sucessores, sobretudo o filho, Ptolomeu
II Filadelfo, enriqueceram a biblioteca com obras de grande valor, a ponto de
seu acervo somar 700 mil volumes em papiro.
A
biblioteca de Alexandria continha numerosas salas, habitações anexas para
funcionários e artistas encarregados de preparar os códices — rolos de
pele cortados, encadernados e dourados. Havia tradutores especializados,
classificadores e catalogadores — os primeiros técnicos em biblioteconomia.
Século
I antes de Cristo. Júlio César invade o Egito. Suas tropas ateiam fogo à
esquadra defensora, o incêndio se alastra, atinge a biblioteca. Mais tarde, por
amor a Cleopatra, o general romano Antônio restaura o prédio e faz uma doação
de 200 mil volumes tomados ao rei Eumenes de Pérgamo. Aliás, é de Pérgamo que
vem a palavra pergaminho, pele de animais usada em substituição ao
papiro, cuja exportação do Egito havia sido proibida por Ptolomeu para que em
parte alguma surgisse biblioteca tão preciosa como a de Alexandria.
A lógica do califa
Por
sua vez, os cristãos egípcios, preocupados em apagar a herança da cultura pagã,
estragaram numerosos volumes. E os árabes deram-lhe o golpe final. Ao
conquistar a cidade, em 640, o califa Omar mandou incendiar a biblioteca,
argumentando com estranha e terrível lógica: “Se esses escritos confirmam o que
diz o Alcorão, são inúteis; se contradizem o Alcorão, são intoleráveis.” E
assim, durante meio ano, as águas dos 4 mil banhos públicos de Alexandria
mantiveram-se aquecidas apenas com as chamas a que foram reduzidas as obras da
mais famosa biblioteca da antiguidade.
Os
romanos, pouco dados a criar e conservar cultura, não formavam bibliotecas:
roubavam-nas aos povos conquistados — macedônios, cartagineses e gregos,
principalmente. Júlio César teve a ideia de fundar uma biblioteca pública em
Roma — projeto cumprido após sua morte pelo historiador Asinius Pollion, em 37
a.C. Outros imperadores romanos organizaram bibliotecas particulares, na
capital e nas províncias, posteriormente abertas ao público. No século IV,
qualquer nobre patrício romano tinha à sua disposição umas 30 bibliotecas.
A biblioteca sepulta
Em
1947, um pastor árabe — por mero acaso — fez um achado que levou à descoberta
de uma das mais interessantes bibliotecas dos tempos antigos. Numa caverna em
Qumrân, a noroeste do mar Morto, na Palestina, encontrou uma urna contendo
alguns semidestruídos, alguns intactos — rolos de pergaminho com estranhas
inscrições em hebraico antigo.
Arqueólogos
de vários países acorreram ao lugar. E novos rolos foram desenterrados. De sua
tradução, chegou-se a reconstruir uma história fascinante, história de uma pequena
comunidade judaica, uma seita rebelde ao jugo romano cuja vida estava organizada
segundo preceitos que correspondiam aos dos primeiros cristãos. Os rolos
documentavam sua existência e os valores que a guiavam. Haviam sido sepultados
em lugar secreto e de difícil acesso para que deles não se apoderassem os
soldados de Roma.
Submetidos
às mais modernas técnicas de reconstrução e análise, “os rolos do mar Morto” ainda
guardam, todavia, muitos de seus bimilenares segredos. Hoje, constituem uma das
mais preciosas relíquias da Universidade Hebraica de Jerusalém.
A biblioteca enclausurada
A
primeira biblioteca cristã foi fundada pelo bispo Alexandre, em Jerusalém, no século
III, e a ela se seguiu a de São Damaso, em Roma. Sua função era a de resguardar,
reunindo as obras com ensinamentos, doutrinas e dogmas da religião.
Da
necessidade de proteção nasceram bibliotecas valiosíssimas: quando os povos germânicos,
ainda pagãos, invadiram o império romano, os monges esconderam esses volumes em
conventos e mosteiros. E não só esses, religiosos, mas também os manuscritos
pré-cristãos que puderam ser salvos das bibliotecas públicas, romanas, as obras
dos clássicos gregos e latinos. Não fora o zelo daqueles homens — a rigor, os
únicos intelectuais cristãos da Idade Média —, dificilmente se conheceria hoje
o pensamento de filósofos como Platão e Aristóteles.
No
início, só os próprios monges sabiam ler tais livros, guardados a sete chaves
em armários no claustro e nos aposentos internos dos conventos. Mas as coleções
cresciam e passaram a salas de leitura, onde os interessados podiam
manuseá-las.
A
biblioteca enriquecida
Todo
um grupo de monges — os copistas ou amanuenses — dedicava-se ao paciente
trabalho de reproduzir os textos na íntegra, ilustrando-os com preciosas
iluminuras — coloridas ornamentações, representando miniaturas de flores,
figuras e arabescos, contornando as páginas e adornando as letras maiúsculas.
Ficaram
célebres as bibliotecas organizadas nas catedrais de Chartres e Reims (na
França), em conventos como o de São Galo (Suíça), Monte Cassino (Itália), Monte
Athos (Grécia), e Santa Catarina, isolado no deserto da Península do Sinai
(Egito).
Bibliotecários
de respeito — abstraindo-se o episódio de Alexandria — foram também os árabes.
Interessados no desenvolvimento da ciência, os califas fundaram numerosas
escolas e bibliotecas, mandaram traduzir os manuscritos descobertos ou
capturados. Cidades como Bagdad, no atual Iraque, e Córdoba, na Espanha,
transformaram-se em centros de cultura e saber.
A
partir do século XIII, as universidades que nascem na Europa — muitas delas,
aliás, antigos mosteiros — dão novo impulso à difusão da leitura.
A
Renascença teve consequências profundas para a cultura. Nesse período, cabe
menção ao papel dos príncipes dos Estados italianos: financiam a compra e a
tradução das obras dos literatos greco-romanos, enriquecem bibliotecas já
existentes, providenciam a instalação de novas. A Reforma protestante também
encerra uma contribuição: com o fechamento dos mosteiros nos países que adotam
a religião de Lutero e Calvino, seus acervos são tornados públicos: daí nasceram
muitas das bibliotecas municipais então criadas em diversos pontos da Europa.
Mas
o que populariza de uma vez por todas o livro — e, por extensão, a biblioteca —
é a invenção dos tipos móveis de imprensa, por João Gutenberg (1400-1468). O
nascimento da reprodução tipográfica de textos é o fim da página manuscrita —
cara, pouca e difícil. No fundo, o único livro ainda hoje manuscrito — e em
rôlo — é o Pentateuco em sua versão hebraica, para o uso religioso dos judeus.
O manuscrito não pode conter nenhum erro: qualquer falha invalida todo o
trabalho do escriba e é por isso que o atual texto da Bíblia em hebraico se
assemelha tanto aos textos encontrados perto do mar Morto.
A
biblioteca multiplicada
Com
a Revolução Francesa, a biblioteca dá outro grande salto para a frente. Em
1789, as bibliotecas religiosas são declaradas patrimônio nacional. Dois anos
depois, as requintadas coleções dos nobres exilados são igualmente confiscadas
e postas ao alcance dos cidadãos comuns.
Por
outro lado, as guerras coloniais empreendidas pela França de Napoleão e pela
Inglaterra trazem à Europa — além de raridades artísticas e tesouros históricos
— quantidades ponderáveis de material para leitura. Em 1870, o Museu Britânico
transforma-se numa biblioteca em cujas estantes mais de um milhão de volumes
traduzem a hegemonia cultural das nações industrializadas.
Dos
Estados Unidos vem uma nova concepção de biblioteca, entendida e organizada
como serviço municipal gratuito. É quase impossível dizer quantas bibliotecas desse
tipo existem no século XX no mundo inteiro. Sabe-se, porém, que há muitas
centenas, cujas coleções superam a marca de um milhão de volumes.
A
Bibliothèque Nationale, de Paris, a British Museum Library, de
Londres, a Library of Congress, em Washington, e a Biblioteca Vaticana
estão entre as mais importantes, seja pelo número de impressos, manuscritos,
gravuras, etc., seja pelo valor desses documentos.
No
Brasil, a primeira biblioteca foi organizada em 1581, no Mosteiro de São Bento,
em Salvador. Dom João VI fundou em 1810 a que hoje constitui a Biblioteca Nacional
do Rio de Janeiro, com cerca de 1 300 000 obras, mais de 600 mil manuscritos,
perto de 300 mil mapas e estampas, coleções de revistas e jornais. É a maior da América Latina. Como em toda a
parte, existem as bibliotecas universitárias, cujo acervo, embora especializado
e nem sempre acessível ao público não acadêmico, inclui muito do que tem sido
feito de melhor em matéria de inteligência e imaginação.
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