"Prometo que, ao exercer a medicina, mostrar-me-ei
sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência; penetrando
no interior dos lares, meus olhos serão cegos e minha língua calará os segredos
que me forem revelados, o que terei como preceito de honra; nunca me servirei
da minha profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime.
"Se eu cumprir este juramento com fidelidade, gozem para
sempre a minha vida e a minha arte de boa reputação entre os homens. Se o
infringir, ou dele me afastar, suceda-me o contrário."
Este é o juramento pronunciado pelos médicos de todo o mundo,
ao se iniciarem na profissão. Solenemente, ele é repetido em coro nas
cerimônias de formatura e resume uma fórmula antiquíssima, atribuída a
Hipócrates. O valor desse homem, tido como o "pai da medicina", pode
ser julgado pelas palavras do juramento.
Hipócrates viveu no século V a.C. Há quase 2 500 anos, portanto, ele determinou normas de comportamento para os médicos que são válidas em todas as épocas, sejam quais forem os progressos da ciência. Sua vida não é conhecida com exatidão. Como acontece com todos os homens de fama, os fatos reais ganham uma aura de lenda. Por esse motivo, as volumosas biografias de Hipócrates, encontradas em antigas bibliotecas, narram fantasiosamente episódios de sua infância, descrevem suas viagens, relatam mesmo suas ásperas discussões com os médicos do tempo. Estes se utilizavam mais da magia que da ciência. Hipócrates, não. Como verdadeiro precursor que foi, realizava até trepanações do crânio, sob o olhar atento de seus discípulos (ilustração acima). Praticava essa operação audaciosa para sua época a fim de eliminar o excesso do líquido encefálico, causador da perda de visão. É realmente maravilhoso constatar que esta mesma intervenção cirúrgica, pela mesma razão, somente nos fins do século XIX iria ser retomada com critério científico.
Hipócrates era grego e nasceu em 460 a.C., na ilha de Cós, na costa da Ásia Menor. A data de sua morte é incerta: alguns biógrafos dizem que viveu 85 anos, outros lhe dão 110 anos. Foi sepultado em Larissa, na Tessália, e durante muitos séculos o povo da cidade venerou o túmulo de Hipócrates, onde um enxame de abelhas tinha construído seus favos. Supunha-se que o mel dali recolhido tinha grandes qualidades curativas. Essa crença demonstra até que ponto a fama do sábio se havia propagado.
Um descendente dos
deuses
Dizia-se que Hipócrates era descendente de Asclépio, deus
grego da medicina (o Esculápio dos latinos), por parte de pai, e de Hércules,
por parte de mãe. Outra tradição afirma que foi membro de uma sociedade secreta
conhecida por Asclepíades (dos filhos de Asclépio), que congregava os sábios e
estudiosos.
De acordo com a lenda, Hipócrates teria inicialmente
praticado a medicina em Cós, tratando dos doentes que buscavam as fontes
termais da cidade. Viajou pelas cidades e países do mundo grego, estudando a
constituição física das populações e suas doenças mais frequentes. Teria
chegado até Cnido (onde havia uma escola de medicina), Tessália, Egito e Cítia.
Entre seus clientes figuravam muitos chefes de Estado. Consta que recusou um
convite de Artaxerxes I para atender ao exército persa, vitimado por uma epidemia.
Para isso alegou que sua honra não lhe permitia socorrer inimigos de sua
pátria.
A Coleção Hipocrática
Por volta de 300 a.C. começaram a circular textos de medicina
que ficaram conhecidos como Coleção Hipocrática. O nome de Hipócrates merecia
tanto respeito que servia para englobar num só grupo os trabalhos inspirados em
sua doutrina.
Por esta razão tem sido posta em dúvida a autoria desses
livros: se alguns seguramente pertencem ao mestre, outros se devem a discípulos
e seguidores. A Coleção compõe-se de 53 tratados, nos quais podemos descobrir
os ensinamentos de Hipócrates e ter uma ideia do que pensava. A ele são atribuídos
os seguintes escritos: O Juramento, Tratado sobre o Mal Sagrado, Os Ares, as
Águas e os Lugares, O Prognóstico, o primeiro e terceiro livros do Tratado
sobre Epidemias, e mais A Medicina Antiga e Os Aforismos.
A Coleção Hipocrática está entre as primeiras obras que abordaram a medicina como ciência natural e experimental. Hipócrates separou a medicina da filosofia, tirando-a do caminho da especulação abstrata para colocá-la na trilha do estudo racional. Em outras palavras, recorreu à razão para avaliar os dados extraídos da experiência.
Essa orientação contrariava os médico-feiticeiros, que
atribuíam todas as doenças a forças divinas e misteriosas. A superstição reinante
na época dava margem a estranhas receitas. Por exemplo, exigia-se que o doente de
epilepsia (chamada "o mal sagrado") vestisse roupas negras, não
colocasse um pé sobre o outro e não usasse pele de cabra.
Tudo isso para afastar o demônio causador da moléstia...
O mérito que ficou
Hipócrates estabeleceu os passos principais a serem seguidos
pelo médico: primeiro, descobrir os sintomas ou sinais da doença; depois, a
diagnose, ou seja, a identificação da moléstia; em seguida, a terapia, isto é, os
meios de cura. Uma vez que a própria natureza humana reage às doenças, a tarefa
que ficava reservada ao médico era a de ajudar ao máximo esta capacidade
natural de restabelecimento.
"Os sintomas não são a doença." Essa afirmação foi
uma descoberta valiosa da escola hipocrática. Hipócrates descreveu sintomas de
muitas doenças e indicou seu tratamento. Deixou extenso receituário, à base de
plantas, que hoje está inteiramente superado: na época não se conheciam bem a anatomia
(constituição do corpo) e a fisiologia (seu funcionamento). Seu mérito foi apontar,
com dedo de mestre, o método pelo qual a medicina se tornaria uma ciência.
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